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Lira amplia poder e força Lula a ceder espaços ao Centrão


Negociação de cargos com grupo político ligado ao presidente da Câmara visa aumentar o apoio às pautas do governo no Parlamento e mira, inclusive, uma ala do Partido Liberal

A vitória de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara dos Deputados marca uma nova era na política brasileira, com efeitos diretos no dia-a-dia do terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Eleito na quarta-feira, 1º, com votos de 464 deputados federais, Lira pulverizou o recorde obtido por Ibsen Pinheiro (MDB-RS) e João Paulo Cunha (PT-SP), que receberam 434 votos em 1991 e 2003, respectivamente, e se tornou o candidato ao comando da Casa Legislativa com o maior apoio da história da Câmara. 

Para o governo, o resultado antecipa, em partes, a quantidade de votos que o deputado pode entregar ao governo para aprovação e andamento de pautas essenciais, como a reforma tributária, por exemplo. Por outro lado, a hegemonia de Lira na Casa também coloca Lula como uma espécie de refém do parlamentar – e do Centrão – em nome da governabilidade. 

“Lira concentra apoios tanto de petistas quanto do próprio Partido Liberal (PL). Isso demonstra que no debate entre esquerda e direita, quem vence é o centro, sempre. É uma tendência da política brasileira, uma vez que o papel do Centrão não é exatamente ser o governo, mas estar no governo seja ele qual for”, explica Paulo Niccoli Ramirez, cientista político da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em entrevista ao site da Jovem Pan.

A figura de poder atribuída a Arthur Lira, bem como sua influência no Parlamento, surge com a saída de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara e principal nome do Centrão, cassado em 2016. Lira, inclusive, é considerado uma espécie de discípulo de Cunha. No período de apogeu do então emedebista, o atual presidente da Câmara foi alçado ao posto de presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa. 

Paulo Niccoli Ramirez afirma que com a prisão do ex-deputado, a chefia do “blocão do Cunha” e a capacidade de articulação com os governos foi “herdada” por Lira, em um momento em que o Parlamento se viu esvaziado de lideranças pós-Lava Jato. “A chegada do Arthur [em posição de destaque] trouxe novos ares. Não quer dizer que seja uma figura diferente de Cunha, mas ele soube promover diálogos entre diferentes partidos e foi assim que adquiriu forças e mais forças”, pondera. 

A longo prazo, o cientista avalia que essa reeleição histórica de Lira vai condicionar, mais uma vez, o presidente da República à presidência da Câmara, movimento também visto no governo anterior, com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cedendo indicações em ministérios e cargos estratégicos aos aliados de Lira. “Lula será refém do Centrão e terá que distribuir cargos de primeiro e segundo escalão, ministérios, presidências nas estatais para garantir o mínimo de governabilidade, já que o PT não tem maioria”, afirma o cientista político. “Lira tem a faca e o queijo na mão, de modo que Lula terá que negociar com o muito com o Centro para conseguir fazer valer qualquer tentativa de aprovação de projetos, ainda mais a reforma fiscal, projetos sociais e econômicos

Parlamentares ouvidos pelo site da Jovem Pan endossam o raciocínio de Niccoli Ramirez: com a vitória esmagadora na Câmara, Lira sai mais “fortalecido” e ganha munição para novas exigências, o que pode condicionar o governo Lula aos caprichos do político alagoano. 

À reportagem, o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) afirmou que Arthur Lira é, sem dúvida alguma, “o homem mais articulado do meio político”, o que lhe confere o respeito das bancadas de esquerda, direita e de centro, expressa na votação histórica. “Tem o respeito de quase todos, a grande maioria. Portanto, é o mais influente”, diz Feliciano. 

O parlamentar nega, no entanto, que esse “poder de Lira” limite a independência dos demais deputados, embora condicione o governo a “muitas conversas”. “Tudo dependerá de votos, como sempre foi. O governo tem a máquina nas mãos. Esperamos ter uma oposição preparada”, concluiu o deputado.

Com posição semelhante, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) diz que a reeleição é uma “vitória maiúscula” de Arthur Lira, mas não faz dele o homem mais poderoso. Membro de um dos partidos que compõem a base de Lula na Casa, o parlamentar defende o papel de Lira como “pacificador e articulador” entre os times do governo e da oposição e reforça: 

“Todo governo do Brasil, para governar, terá o Centrão como suporte, com maior ou menor participação”. “A relação é inexorável. A questão é como você estabelece este convívio, que é imprescindível, cedendo mais ou menos”, acrescenta o pedetista. Ele lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por vezes chegou a criticar a relação com os partidos de centro, mas acabou se rendendo ao bloco “de corpo e alma”. “Isso não irá acontecer com Lula. A relação será mais racional, institucional e um pouco mais transparente. O presidente Lira terá um papel fundamental nesta relação, mas será diferente do que foi com o governo Bolsonaro”, concluiu.

Também do PDT, o deputado Mário Heringer (MG), em seu sexto mandato, diz que diversos fatores ajudam a explicar a influência de Lira sobre os demais parlamentares: 

“a gestão das emendas do chamado orçamento secreto, o relacionamento e o controle do colégio de líderes partidários, a posição clara e forte em defesa da democracia, nos momentos certos, a falta de adversários nos dois campos antagônicos e as conquistas corporativas dos deputados”. “Votei nele por algumas dessas razões”, admite. “Quanto ao tamanho de seu poder, ainda é cedo para ser medido. A pista pode ter sido dada pelos votos obtidos pelo seu candidato ao TCU. Não é certeza, mas pode o piso ou o teto”, conclui.

Heringer faz alusão à indicação de Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) para uma vaga de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). A indicação seguirá para o Senado – se o nome for aprovado, o parlamentar, filho do senador Mecias de Jesus, ocupará a vaga deixada pela ministra Ana Arraes.

O governo Lula acompanha de perto as movimentações na Câmara e já negocia apoio com os partidos que integram o coração do Centrão: 

Republicanos, Progressistas (PP) e com o próprio Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro. O PT apoiou a candidatura do presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), para a primeira vice-presidência da Câmara (ele foi eleito com 458 votos) e endossou a candidatura de Jhonatan de Jesus para o TCU. 

Além disso, segundo relatos, o Palácio do Planalto estuda nomear deputados deste bloco para os cargos de vice-líderes do governo na Câmara. Os acenos do Planalto também são bem vistos por parlamentares destes partidos. Em uma reunião da cúpula do PP de Arthur Lira no dia das eleições para as presidências da Câmara e do Senado, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos expoentes do grupo e ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro, disse que não integraria o governo Lula e que faria oposição ao petista. Ouviu do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB): “Então, vamos ter que fazer um curso”.

Os articuladores políticos de Lula não esperam uma adesão formal do Centrão no curto prazo e sabem que o apetite dos caciques é grande – órgãos como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) estão na mira –, mas trabalham para selar uma espécie de casamento com uma parte expressiva do Congresso Nacional.

Jovem Pan

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